José Adelino Maltez escreve no Expresso sobre Maçonaria

José Adelino Maltez escreve no Expresso sobre Maçonaria

De José Adelino Maltez,

 NÃO!

O estadão não tem absolutamente nada que cheirar na minha esfera metafísica ou iniciática.

Perdoem, portanto, esta minha carta de amor à Maçonaria, missiva que muitos acharão ridícula e anacrónica, não reparando que mais ridículo ainda é o facto de cada vez menos gente estar apaixonada para escrever cartas de amor às fraternidades cívicas que aquecem, em sagrado, o desalmado.

Apenas quero viver como comunitariamente me penso, em cadeia de união, sem pensar muito como, depois, vou ter de viver, com a chusma das fichas das pertenças desvendadas.

Infelizmente, um maçom, quando publicamente se assume, está sempre amarrado a uma situação de inferioridade dialética, perante quem confunde a transparência com “voyeurismo” sensacionalista da “ortodoxia das massas”.

Não é por esse atalho que consegue compreender-se a tal vida iniciática que “é uma vida e não uma doutrina – isto é, um estado de alma formado de emoções e intuições, que não de ideias ou de teorias”, como o afirmou Fernando Pessoa e que aqui gloso.

Quando os aparelhos públicos de poder esmagam, em coscuvilhice, a esfera da autonomia de humanos livres, que só parcelarmente são cidadãos de uma pátria livre, não podem esquecer-se que, nas fundações e na chave da abóbada do templo da comunidade política, está a eminente dignidade da pessoa humana.

Essa que é sempre uma pluralidade de pertenças identitárias que, como bolhas, se fazem e desfazem pelas adesões individuais, constituindo, não massas físicas, separadas em grupos formais, mas massas de ativismos animados por causas.

O Estado pode estar acima do cidadão, mas o homem livre tanto está ao lado do Estado, como até acima do Estado. Infelizmente, os vetustos soberanistas ainda não repararam que, além de sermos cidadãos da República Portuguesa, somos cidadãos europeus e podemos praticar, como cosmopolitas, o sonho de cidadãos do mundo.

Os provincianos vigilantes podem criar um rol de mercearia com filiações registáveis e até não reparar que, assim, violam diretamente o artigo 14 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Embebedam-se em ervas daninhas neototalitárias, que tanto são inconstitucionais em Portugal, como serão justamente acusadas de discriminação, perante a reação das sociedades civis e dos tribunais europeus.

Os projetos nascidos desta pulsão iliberal e dogmática podem até transformar-se num pudim cheio de vírgulas, só para que a prenhíssima montanha de certos partidos possa dar à luz qualquer coisinha, depois de gémitos imensos, num misto de ratinho escanzelado e de colorido papagaio de papelada, entre preconceitos e fantasmas.

Essa lógica da banalidade do mal, com bufos, consultorias, comentadorias, comedorias e sargentadas verbeteiras, continua incapaz de compreensão face ao místico e àqueles deuses que podem nascer dentro de cada um, desde o plural dos divinos aos mistérios antigos, às imemoriais aspirações do iniciático e do eterno, nomeadamente o pré-cristão e o iluminista, de que a Maçonaria é memória viva.

José Adelino Maltez

no Expresso de 1 de abril 2021